Hoje dando uma olhada no site da Gloria Arieira encontrei
este texto do Swami Dayananda achei tão lindo e importante que decidi publicar
aqui no Blog, no site dela tem vários outros textos lindos e importantes da
filosofia Hindu www.vidyamandir.org.br, amor e aceitação, é um pouco longo mas vale a pena!
O AMOR E A MENTE QUE ESTÁ CONSIGO MESMA
Swami Dayananda
Vedanta é um ensinamento sobre a natureza do próprio
indivíduo, através do qual a pessoa descobre que o verdadeiro significado da
palavra ‘Eu’ é o Ser, cuja natureza é absoluto contentamento e amor, livre de
qualquer sentimento de limitação. Para apreciar a você mesmo nestes termos, é
necessário que a sua mente possa estar consigo mesma, possuindo em uma medida
relativa, aquilo que deseja descobrir em termos absolutos. Porque o ‘Eu’ é
contentamento absoluto, a sua mente precisa ser relativamente satisfeita, capaz
de um certo contentamento em si mesma. Porque o ‘Eu’ é amor absoluto, você
precisa também ser uma pessoa relativamente amorosa, capaz de aceitar pessoas e
objetos conforme são. Uma pessoa intratável, sem amor, não irá descobrir o Ser,
pois a sua mente estará sempre agitada, e portanto, nunca estará consigo mesma.
Como então você poderia adquirir uma mente que desfrutasse
de um relativo contentamento, permanecendo consigo mesma, e portanto, sendo
capaz de amar? Será que uma mente que está consigo mesma pode ser obtida
através do amor que você tenha por uma outra pessoa? Se o amor que você
desenvolve por alguma outra pessoa é um amor mais permanente, tolerante, isto
já não significa que a sua mente está tranqüila, tolerante? Veremos como o amor
que você tenha por uma outra pessoa, por si só, não pode criar uma mente tranqüila
e tolerante.
Primeiro você precisa ter uma mente tranqüila e tolerante,
capaz de estar consigo mesma antes que possa facilmente descobrir um amor mais
permanente por alguém. Logo, uma mente capaz de estar consigo mesma irá lhe
servir de duas formas: ajudando-o a qualificar-se para o ensinamento de Vedanta
e capacitando-o a descobrir um amor mais permanente no seu relacionamento com
outra pessoa.
O amor por uma outra pessoa é algo que você descobre no seu
interior, quando aquela pessoa lhe agrada. Você não pode decidir amar alguém,
pois o amor não é uma ação que se execute. Se fosse, quando alguém lhe pedisse
“por favor, me ame”, você poderia então decidir amar a pessoa amanhã.
Com referência à ação existe esta tríplice liberdade: fazer,
não fazer, ou fazer de outra forma. Mas, com referência ao amor, esta liberdade
não existe, pois o amor não depende da nossa vontade. Logo, o amor só pode ser
descoberto em você mesmo.
Além disso, um objeto de amor, seja uma pessoa, um animal ou
um objeto inanimado, não tem a capacidade inata de evocar em mim esta emoção
que chamamos “amor”. Se fosse assim, esse objeto criaria amor em qualquer
pessoa e em você mesmo todo o tempo. Mas não é assim que acontece. Para aquela
mesma pessoa que você se vê fora de si de tanto amor, você eventualmente diz:
“É melhor darmos um tempo”, significando que o seu amor acabou. Amor, na
verdade, nada tem a ver com qualquer objeto que você ame, mas está em você, o
sujeito. Os seus gostos e aversões particulares é que determinam o quê e quem
será objeto do seu amor, da sua raiva e da sua indiferença. Mas a razão pela
qual você ama alguém não é devido àquela pessoa, e sim devido a você mesmo;
porque ela lhe agrada. Portanto, ao dizer “eu te amo”, você está realmente
dizendo “você me agrada neste momento”. É como se você amasse o seu ser
satisfeito. Qualquer objeto ou pessoa que evoque em você este ser satisfeito
torna-se então objeto do seu amor.
Para que alguém se veja satisfeito através de uma outra
pessoa, esta deverá preencher alguns de seus gostos e aversões particulares,
que são altamente subjetivos e mudam de um momento para o outro. Em algumas
situações você se percebe satisfeito, mas tudo está nas mãos do destino. E,
geralmente, em algum momento, aquela pessoa não lhe agrada mais nem você a ela,
pois ninguém consegue realmente preencher todos os mutantes gostos e aversões
de outra pessoa o tempo todo. Quando o “ser satisfeito” se vai, o objeto de
amor torna-se um objeto de indiferença ou mesmo de raiva. Portanto, não será
através do amor por uma outra pessoa que a mente irá qualificar-se para estar
consigo mesma.
Se o amor que você descobre por uma outra pessoa irá ou não
tornar-se um amor mais permanente, é impossível saber. Votos matrimoniais
existem justamente porque nós realmente não temos meios para saber se um amor
irá ou não perdurar. Nós, muitas vezes, descumprimos promessas que firmamos,
pois estar satisfeito não é fácil e satisfazer uma outra pessoa é igualmente
difícil. Quando você se vê satisfeito com alguém e descobre um amor por essa
pessoa, você se deixa arrebatar por sua paixão, ignora as limitações da outra
pessoa, pois naquele momento elas nada significam para você. Enquanto elas
permanecerem assim, sem maior importância, aquela pessoa parecerá ter algo que
lhe agrada e o amor é então muito natural. Ao mesmo tempo, você é uma pessoa
com as suas próprias raivas, ressentimentos, mágoas, culpas... que não
desaparecerão só porque você está amando. O amor existe, sim, com referência
àquela pessoa, mas com referência ao seu patrão, à sua sogra, ao governo, ao
sistema econômico, você é a mesma pessoa zangada de antes da descoberta daquele
amor. Porque você tem diversas coisas lhe irritando, a raiva estará sempre
presente em seu coração, ainda que nem sempre expressa. Quando o frescor do
amor que você descobriu se vai, sua raiva começa a se infiltrar no
relacionamento. É quando você começa a ver as limitações da outra pessoa com
referência às suas próprias expectativas. Se você não é uma pessoa já
naturalmente amorosa, que antes de mais nada possua uma mente apta a estar
consigo mesma, não será possível descobrir um amor mais permanente em nenhum
relacionamento com outra pessoa. Isto é como esperar que apenas o seu nariz
esteja saudável, quando todo o sistema está em desarmonia. É necessário lidar
com o sistema como um todo. Arranjos feitos na relação não resolverão de fato,
a menos que você mude completamente sua própria maneira de ser. Cedo ou tarde,
a pessoa zangada dará vazão à sua zanga. Qualquer técnica para melhorar o relacionamento
o fará temporáriamente. Para descobrir um amor mais permanente no
relacionamento com alguém, você precisa de uma mente apta a estar consigo
mesma.
Possuir uma mente capaz de estar consigo mesma envolve a
aquisição de certos valores e atitudes e ter clareza quanto à sua importância.
Com estes valores à sua disposição, você está garantindo as condições
apropriadas para ser capaz de amar. Acomodar a outra pessoa é um destes
valores. Na verdade, a sua raiva é devido à falta de acomodação, pois você espera
que todo o mundo se comporte conforme as suas expectativas. Para que se possa
desenvolver um valor pela acomodação das pessoas, um fato precisa ser
claramente compreendido: a outra pessoa age de uma forma específica porque é
incapaz de agir de outra forma. “Ele poderia ter feito melhor”, você diz. Se
ele pudesse, ele então teria feito. Que direito você tem de exigir que a outra
pessoa aja conforme as suas expectativas? Ela não teria então o mesmo direito
de esperar de você uma outra maneira de ser? Afinal, se você mudasse, ela não
precisaria mudar. Se você tem o direito de esperar uma mudança da outra pessoa,
ela tem também o mesmo direito de esperar que você deixe-a viver como ela é. Na
verdade, apenas acomodando as outras pessoas, apenas permitindo-lhes que sejam
como são, você poderá obter uma relativa liberdade na sua vida diária. Se você
analisar isso tudo de uma perspectiva mais ampla, todos interferem na vida dos
outros. Em geral, você olha para as situações de uma perspectiva mais limitada
e vê uma pessoa tomando um grande vulto, com a sua influência parecendo
tornar-se forte demais. Na verdade, você nunca está livre, nem da influência de
alguma outra pessoa e nem tampouco de todas as forças do universo no que diz
respeito ao seu corpo físico. Nem é possível realizar uma ação ou até afirmar
algo sem estar, de uma forma ou de outra, afetando alguém. Portanto, ninguém é
realmente livre, uma vez que todos nós estamos interrelacionados.
Mesmo o Swami não é livre. Quando eu foi ao zoológico daqui,
duas pessoas, ao passarem por mim comentaram entre si: “você viu a nova
espécie”. Eu tento não incomodar as pessoas, mas é inevitável, até pelas minhas
roupas. Eu me visto assim porque em meu país estas são as vestes tradicionais
de um renunciante; quando venho aqui, eu quero me apresentar desta mesma forma.
Esta minha decisão irá definitivamente afetar alguém. Se eu me perturbo pelos
comentários, é somente porque permito que me perturbem. Então tenho somente a
liberdade que me conferem. Entretanto, se eu reverter o processo,
concedendo-lhes a liberdade de serem o que são e pensarem o que pensam, só
então eu serei livre. Você tem tanta liberdade quanto a que confere aos demais.
Eu vejo a mim mesmo como livre, e lhe deixo livre para ter seus problemas.
Logo, eu não preciso brigar com você. A minha liberdade somente pode ser
equiparada àquela que eu puder lhe conferir para ter uma opinião a meu
respeito. Quando alguém vê minhas roupas e pergunta “o que é isto afinal?” Eu
posso apenas sorrir e dizer: “Halloween chegou mais cedo este ano”. Não é
necessário que eu altere a sua opinião, ainda que ela possa estar incorreta. Eu
lhe concedo a liberdade de ser quem ele é. A única liberdade que eu possuo é de
não me incomodar com suas opiniões.
Assim, você acerta contas consigo mesmo psicologicamente
enquanto uma personalidade, o que nós chamamos yoga sadhana . Você não pode
evitar a psicologia, pois precisa se organizar enquanto uma personalidade. Não
é o caso de extinção de vasanas ou impressões, há somente um entendimento de
que existem alguns problemas. Olhe para a sua vida pregressa e reconsidere
aquelas situações, pessoas e eventos que realmente lhe prejudicaram. O que você
vê não são apenas memórias, mas reações esquecidas. Uma reação não é algo que
você faça conscientemente. Conscientemente você não pode ficar com raiva, pois
a raiva não é uma ação, ela é uma reação que se apresenta quando você não tem
controle sobre a situação. Estas reações criam um grande impacto sobre você,
tornando-se parte da sua psique. A partir de uma individualidade, as reações
criam uma personalidade. Elas são, em última instância, falsas e se devem a uma
falta de atenção da sua parte. Elas não têm verdadeiras raízes na mente. Em si
mesma, a memória não é algo desagradável. O desagradável são as reações
penduradas que se tornaram como que reais. Portanto, traga à mente aquelas
pessoas e momentos que lhe causaram algum tipo de incômodo ou quem você
incomodou e de quem você carrega um certo sentimento de culpa. No assento de
meditação, lembre-se de todas elas e permita-as ser como são. Quando você olha
para o céu azul, as estrelas e os pássaros e as montanhas, você não tem do que
se queixar; você se vê satisfeito e feliz. Nenhuma destas coisas faz algo para
lhe agradar e ainda assim você está feliz, pois não quer que elas sejam
diferentes do que são. Você as aceita conforme elas são, e portanto se vê
satisfeito. O rio corre por seu próprio caminho. Você não quer que o volume
d’água seja maior ou que o seu fluxo vá por uma direção diferente. Você, na
verdade, busca estes pontos naturais porque eles não evocam aquela pessoa
insatisfeita que você parece ser, zangada, difícil de se agradar. Aquela
natureza insatisfeita, exigente em você não aparece. Você é um com a situação,
você acomoda o que acontece sem que o mundo precise fazer nada para lhe
agradar.
Este é o ponto em que a transformação precisa ocorrer.
Veja-se como uma pessoa satisfeita com referência a estas poucas coisas e então
traga esta pessoa satisfeita para lidar com todas as situações e pessoas que
lhe desagradaram e que você também desagradou em uma ou outra ocasião. Aceite a
si mesmo como você aceita as estrelas, os pássaros e as montanhas. Ore por uma
mudança, se você achar que a outra pessoa precisa mudar ou então faça o que
puder para ajudá-la a mudar. Mas, antes, acomode-as como são. Só assim você
poderá realmente transformar-se totalmente enquanto pessoa. Não importa o
quanto de Vedanta você venha a estudar. A menos que você acomode plenamente as
outras pessoas, não funcionará com você. Você terá apenas um sentimento de que
existe algo oculto, ainda por ser descoberto.
Você deseja mudar os outros para poder ser livre, só que
isto nunca funciona. Aceite as outras pessoas totalmente e você então será
livre. Só então você descobrirá o amor que é você mesmo.
Extraído de um seminário intitulado “Sobre o amor” com Swami
Dayananda em Toronto, 27/07/85. Tradução: Marco Andre.