Savasana
Nestes meus 8 anos como
professora de yoga , percebo que é bem comum nas aulas, quando chega
o momento de savasana, ouvir
algum comentário sobre ser a postura favorita , ou que é o melhor momento da aula. As vezes quando os
alunos já estão cansados , eu falo por exemplo : vamos fazer agora .... Uttanasana,
e eles brincam , antes de eu dizer a postura: alguém fala Savasana , outro dia
aconteceu isso , no final das posturas em pé , quando eu ia falar Tadasana , as
alunas já estavam falando savasana rsrs.
Coincidiu que neste
mesmo momento estou relendo o livro a “ Luz da Vida “ do Iyengar e estou bem nesta parte que ele fala sobre a
savasana, coincidências...então resolvi compartilhar com vocês alguns trechos
que o Iyengar fala sobre a postura Savasana!
Savasana e o tempo
Muitos querem saber por
que, no meu livro A luz da yoga ,
refiro-me ao savasana ( postura do cadáver) como a postura mais difícil. Para a
maioria das pessoas, a postura do cadáver é uma recompensa agradável depois de
uma aula de yoga cansativa, em que se experimenta uma relaxamento tórpido ou
vibrante e , em certa medida luminoso. Luminoso aqui significa sátivico, ou
seja consciente e passivo. Tórpido significa tamásico, e , como muitos alunos
chegam a aula cansados depois de um dia duro de trabalho , nunca me opus a
isso. É natural que aconteça e muitas vezes os roncos compõe a música que encerra
uma aula repleta de alunos – entre eles os já veteranos. Pode ser que eu seja
muito exigente nas posturas em pé , mas creio que jamais acordei um aluno
durante o savasana , exceto talvez na hora de manda-los para casa. Mas o
propósito do savasana não é adormecer. Se fosse assim, não seria uma posição
difícil.
O Objetivo do savasana é
fazer soltar, do mesmo modo que , como
uma cobra solta sua pele para ressurgir lustrosa e fulgurante em suas novas
cores. Temos muitas peles, camadas, pensamentos, preconceitos, idéias
preconcebidas, memórias e projetos para o futuro. O savasana consiste em soltar
todas essas peles para que possamos ver
como é magnífica e lustrosa, serena e consciente a bela serpente irisada
que reside dentro de nós. E a exemplo da serpente nos deitamos no chão,
deixando a superfície do corpo o máximo possível em contato com ele.
Ora, se o savasana tem a
ver com o relaxamento, o que nos impede de relaxar? A tensão. A tensão resulta
de estarmos agarrados a vida e , assim , sob o controle de milhares de fios
invisíveis que nos prendem ao mundo conhecido, ao “ eu” conhecido, ao ambiente
conhecido que ele atua. São os fios que ligam ao eu que proporcionam o sensação
de identidade. Meu s alunos quando se
deitam no chão término de uma aula puxada, ainda estão identificados com seus
papéis de marido, esposa, ainda
preocupados com as compras que terão que fazer a caminho de casa, com os pais
que estão a sua espera, com os filhos que precisam de ajuda na lição de casa.
Eles ficam cansados porque mantêm a consciência de que são executivos que tiveram
um dia extenuante no trabalho. Talvez o dia tenha transcorrido bem; talvez não.
Meus alunos são todos filhos, filhas, maridos, esposas, trabalhadores, pais ,
homens ou mulheres. Os milhares de fios de identidade os amarram ao solo quando
se deitam em savasana, como Gulliver aprisionado aos fios dos minúsculos
liliputianos.
O savasana utiliza técnicas
de relaxamento para cortar esses fios. O resultado disso não é , como na
meditação , a liberdade, mas a perda da identidade. Não digo perda da falsa
identidade, no mundo em que operam essas identidades são reais. No entanto de
um ponto de vista mais amplo, elas são irreais. Mesmo o fato de ser homem ou
mulher é uma identidade que possa ser derrubado.
Relaxar é interromper a
tensão. Interromper a tensão é cortar os fios que nos predem à identidade.
Perder a identidade é descobrir quem não somos. Não disse antes que a
inteligência é o bisturi que extirpa o que é irreal para deixar somente a
verdade? Não é verdade que, quando está deitado em savasana, numa posição harmoniosa,
equilibrada, você se sente presente e sem forma? Quando se sente presente e sem
forma, não sente a ausência de uma identidade específica? Você está ali, mas
quem está ali? Ninguém. Só a percepção, sem movimento nem tempo, está ali. A
percepção presente é a extinção do tempo na consciência humana.
....
Para nós, o tempo parece
mover-se, fluir, ter duração, extensão, portanto ser espacial. Em outras
palavras, estamos presos no aparente movimento do tempo. Contudo, todos os
caminhos espirituais falam da importância primordial de viver no presente. O
que é o momento presente? Um segundo? Ou algo menor? Pela lógica, o presente só
pode ser uma unidade de tempo infinitamente pequena, um segundo dividido pelo
infinito. Isso não existe. Como extensão de tempo, o presente simplesmente não
existe. De que forma, então, viver no presente? É um paradoxo impossível.
Temos de encontrar o
presente por outros meios. A única maneira de fazer isso é dissocia-lo do passado
e do futuro. Desse modo, o tempo não pode fluir. Ele literalmente para, como
acontece na meditação e no samadi. O savasana é a chave para entender isso.
Nossa identidade e aflição nos ligam ao passado e ao futuro. Nada na vida nos
liga ao presente, exceto o estado de ser. A ação acontece no decorrer do tempo,
ela tem duração. Ser transcende o tempo. O estado de ser só é alcançado quando
são cortados todos os fios que ligam ao passado ou ao futuro. Nasci homem,
serei homem amanhã. Posso agora no savasana deixar de lado a identidade sexual
que me liga ao passado e ao futuro?
Savasana é ser sem ter sido, ser sem vir a ser. É ser sem ninguém que é.
Não surpreende que seja o asana mais difícil , a porta para a meditação não
dualista e para a fusão cósmica do samadi.
...
Luz na vida
BKS Iyengar
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